Hello, D.! Tomei a liberdade de desmembrar sua mensagem em três partes e começar pela última, que parece ser mais urgente, pois, como você disse, é o que está causando mais confusão. As outras duas eu respondo ao longo da semana, ok?
Para começar, é importante eu lhe dizer que meu marido e eu somos igualitaristas. Depois de muita oração, conversas, leituras e estudo da Palavra, chegamos à conclusão de que esse é o posicionamento mais bíblico. Cremos na submissão mútua e na relação não-patriarcal no casamento e na igreja (ao contrário dos “complementaristas”). Portanto, o que vou lhe dizer a seguir é dentro dessa perspectiva.
Essa é uma questão beeem complexa e cheia de ramificações. No final da resposta, vou lhe recomendar leituras. Aqui, gostaria de destacar os seguintes itens:
1. Precisamos fazer distinção entre o ideal de Deus e as consequências da Queda em pecado (que, pela graça de Deus e pela redenção em Cristo, podem e devem ser atenuadas). Se voltarmos ao começo de tudo, à Criação dos seres humanos, veremos que o ideal de Deus é de absoluta igualdade entre homens e mulheres. Ambos foram criados à sua imagem, ambos receberam a ordem de exercer domínio sobre a terra. Não havia distinção de papéis nem hierarquia com base em gênero. Não há nada nas passagens da Criação que indique submissão feminina ou que apoie a liderança masculina. O relacionamento do primeiro casal era de perfeita e absoluta mutualidade. Em Gênesis 3.14-19, Deus amaldiçoa a serpente e o solo. E ele diz o que acontecerá no relacionamento humano por causa do pecado (v. 16). Foi aí, nesse momento de Queda, que nasceu a ideia de domínio/submissão. Ela não veio de Deus, mas do coração humano decaído. Isso significa que, como pessoas redimidas, cabe a nós não viver desse modo e não perpetuar essa dinâmica.
2. Deus trabalha em meio a realidades humanas imperfeitas. Depois do pecado, a sociedade desenvolveu instituições que não eram da vontade de Deus. Hierarquia no casamento e escravidão são dois exemplos. O fato de Deus ter abençoado patriarcas que tinham escravos, não significa que ele aprovava esses sistemas. Significa apenas que a graça de Deus é tão grande que ele transcende nossos erros para cumprir seus propósitos maiores. As leis que regulamentavam a escravidão, por exemplo, eram instruções de Deus para diminuir os estragos dessa instituição pecaminosa. Se lermos a Bíblia como um todo, porém, veremos que escravidão nunca foi e nunca será ideal divino. O mesmo se aplica ao patriarcado. Mas, embora o patriarcado não seja inerentemente saudável, Deus, em sua maravilhosa bondade, trabalhou (e às vezes ainda trabalha) dentro dele. O patriarcado não é bom. Mas Deus é bom. E, em sua graça, ele usa a vida de muitos patriarcas (antigos e modernos) para o bem.
3. Como disse a moça no vídeo que você enviou, precisamos ler a Bíblia dentro de seu contexto histórico e cultural. Nem tudo o que a Bíblia mostra é modelo a ser imitado e nem tudo é instrução para nós. Infelizmente, ainda assim, a moça do vídeo concluiu que a Bíblia deixa espaço para hierarquia no casamento (ela adota um posicionamento que eu chamo de “complementarista light”, rs). A meu ver, se realmente levarmos a sério as questões históricas e culturais e estudarmos a Bíblia em profundidade, veremos que ela não aponta para essa ideia de complementaridade e liderança masculina/submissão feminina.
4. A Bíblia não é machista (embora muitas vezes retrate uma sociedade machista) e Paulo também não (pelo contrário, ele era até bem revolucionário!). Machistas são os tradutores, comentaristas e pregadores que desvirtuaram textos bíblicos. Cada uma das passagens de Paulo que você mencionou tem outras interpretações bem diferentes, muito mais próximas do ideal de Deus e que levam em conta para quem ele estava escrevendo e o que estava acontecendo naquelas igrejas e sociedades. Infelizmente, ao longo dos séculos, essas passagens isoladas foram distorcidas para atender a uma agenda machista, sem levar em conta a Bíblia como um todo. Não tenho espaço para explicar cada texto aqui neste momento (fique à vontade para trazer de volta esse assunto), mas algumas coisas estão no material adicional que recomendo abaixo.
5. Para terminar, como disse, Deus se “ajustou” aos rumos que a humanidade tomou depois do pecado. Se ele não tivesse feito isso, jamais teria conseguido comunicar suas verdades aos seres humanos. Isso não é aprovação. É graça divina para nos alcançar no meio de nossa ignorância. Só porque Deus se revelou como “Senhor dos Exércitos”, não significa que ele aprova sociedades belicosas e hostis. Só porque ele se revelou como Pai dentro de uma sociedade patriarcal, não significa que ele tem preferência pela masculinidade. Deus é Espírito. Não tem gênero. No entanto, homens e mulheres refletem quem Deus é. Além das imagens masculinas, ele se revela na Bíblia em inúmeras imagens femininas, que muitas vezes passam despercebidas porque raramente falamos delas. Aliás, existem várias imagens maternas de Deus na Bíblia. Portanto, ele não se revelou só como Pai, nem só como homem. O simples fato de você e eu existirmos mostra que Deus se revela a outros como mulher também, pois somos imagem e semelhança dele 🙂
Aqui vai um resumo da visão igualitaristas (está em português de Portugal):
Se você lê inglês, recomendo fortemente que explore o site da organização Christians for Biblical Equality, que tem uma tonelada de conteúdos muuuuito bons, que tratam exatamente desses dilemas e questionamentos que você traz e nos ajudam a enxergar a Bíblia por uma ótica bastante equilibrada – nem machista nem feminista, mas bíblica.
Esta é a página inicial deles: https://www.cbeinternational.org/
E o blog: https://www.cbeinternational.org/publication/mutuality-blog-magazine
Também tem muitos áudios e vídeos (veja Resources).
Que Deus lhe dê muita sabedoria e discernimento ao se aprofundar nessas questões!
Até a próxima!
Kisses,
Su