Pergunta:

Querida Su, Eu amei saber que não somos todos “clones amados” kkkkk, achei esse termo super engraçado! Obrigada pelas explicações. Hoje estou aqui para contar uma coisa boa e também pedir um auxílio. A coisa boa é que Deus tem trabalhado em minha mente e coração para não ficar me preocupando com o futuro em relação à comparação. Quando você me ajudou na minha primeira “jornada do herói” eu escrevi por aproximadamente quarenta dias meus sofrimentos e medos daquela época num caderno. Tinha tantos “e se”, “será” e “estou com medo” e tanta falta de entendimento da palavra de Deus, que fiquei com muita pena do meu eu de 2016. Na hora e até um pouco depois que li, fiquei nervosa com Deus, pois ele não me deu uma resposta clara, meu coração ficava tão conturbado e aflito. Quando eu finalmente entendi que podia assistir as coisas pegando aquilo que era bom, já conhecia muito mais sobre Deus do que antes, pude ajudar algumas outras pessoas passando por coisas semelhantes e senti uma paz e leveza de espírito inquestionáveis. E mais: absolutamente nenhum, repito, NENHUM dos meus medos se concretizou. Então eu percebi que dessa vez, estava fazendo a mesma coisa, criando um cenário caótico na minha cabeça e me perdendo minhas energias com cada detalhe, analisando um monte de possibilidades tristes. Por isso, tenho entregado todos os meus “e se”, “será” e “estou com medo” e todo a minha falta de sabedoria para Deus. E ele está ajeitando as coisas de maneiras que nem eu sabia que aconteceriam. É incrível! Obrigada pelos seus incentivos e palavras. Eu percebi o agir de Deus, mas ainda tenho uma dúvida: por quê? Tem tantos pensamentos confusos naquele caderno, por que será que eu não conseguia entender, por que o Senhor não me respondeu de forma clara, de forma que minha mente e coração ficassem em paz? Agora eu entendo quando você dizia que eu estava tentando “enxergar longe demais”. Naquela época eu também estava. Pensei que minha vida seria sempre aquele dilema, mas agora nem penso mais naqueles medos. Tenho esperança de que meus problemas de agora também passarão. No entanto, tenho uma dúvida. Se eu sentir coisas desagradáveis (raiva, inveja, ciúmes, orgulho, inferioridade) em relação a meu namorado/marido, preciso dizer a ele? Ou melhor: isso é algo que posso conversar abertamente com ele? Eu me sinto uma pessoa relativamente falsa se guardo o que penso, como se meu amor fosse tão impuro que não pudesse ser chamado de amor. Como assim? Quero dizer que acho que nem tudo deve ser dito, algumas coisas precisam ser trabalhadas dentro de nós (com ajuda de Deus e de psicologia, por exemplo), mas outras precisam ser faladas porque um casal precisa ter diálogo. Qual o limite? Minha mãe acredita que meu marido não tem que saber TUDO sobre mim e ouvi um psicólogo que gosto falando isso também. Parece que se a pessoa não souber as coisas ruins que posso sentir e até que já senti, ou mesmo que infelizmente fiz (tipo o dilema das motivações que conversamos aquela vez) ela não pode me amar de verdade e nem eu a ela. É como se fosse necessário omitir certas coisas para o relacionamento durar, porque se a pessoa souber, ela não vai conseguir te amar como antes, porque vai sempre duvidar de você e dos seus motivos. Entende? Caso não, eu mando mais coisas tentando explicar. Abraços! P.s.: Su, não é que eu não saiba que Deus tinha coisas para me ensinar através do que eu passei, mas é que eu achava que um monte de coisas eram pecado só de ASSISTIR. Tipo, se alguém faz magia no desenho, é no desenho e não na vida real. Não sei porque eu não conseguia entender com a mente e o coração e ficar em paz. Eu estava paranóica. Fiquei triste de ver como estavam meus sentimentos. Às vezes me pergunto se não havia outra forma de aprender, entende? Por isso fiquei chateada. Naquela época eu orei tanto a Deus. Sabe aquelas pessoas que não entendem o amor de Deus e acham que um monte de coisa é errada? Tipo a mãe da Carrie, a estranha? Pode até ter uma ideia bíblica, mas está sendo mal utilizada. Tudo bem se não houver respostas para esses “porquês”. Eu entendo que cada coisa tem seu tempo e propósito e que o Senhor enxerga mais longe. É que eu queria que ele tivesse me dado sabedoria mais rápido para eu sofrer menos com algo tão simples. D.

Resposta da Sú:

Hello, D.! É muito bom ver quanto crescimento Deus tem lhe dado e como ele tem cuidado de você ao longo dessa jornada. E, de fato, é uma jornada de herói em que vamos passar por muitos portais e, depois dessas passagens, nunca mais seremos exatamente as mesmas J Felizmente, temos a promessa de um final feliz: “Pois estou certo de que Deus, que começou esse bom trabalho na vida de vocês, vai continuá-lo até que ele esteja completo no dia de Cristo Jesus” (Fp 1.6).

Esse versículo nos diz algumas coisas importantes, que não responderão todos os seus questionamentos, mas que podem ajudar você a fazer as pazes com eles:

1 – O trabalho de amadurecimento que Deus está realizando em nós é bom. Temos a tendência de achar que coisas boas não envolvem sofrimento, angústia, perplexidade, etc. Mas, nossa vida é como a gestação e o parto normal: cheia de desconfortos, ansiedades, dúvidas e, por vezes, dor intensa. Nem por isso deixa de ser algo verdadeiramente bom. O objetivo supremo de Deus para nós não é nos poupar de sofrimento, mas sim, nos tornar cada vez mais parecidas com Cristo. Claro que, muitas vezes, ele tira nossa dor, dá consolo e alívio e nos poupa de coisas ruins aconteçam. Mas, nada disso é o propósito central.

2 – Deus começou esse trabalho em você e ele vai terminá-lo. Foi uma iniciativa dele, é responsabilidade dele e a conclusão será dele. Claro que temos participação (conversamos sobre isso em outras ocasiões), mas quem dita o ritmo e estabelece a conclusão de cada etapa é ele. Por mais difícil que seja, não temos nem devemos buscar o controle de nosso crescimento espiritual.

3 – Deus não nos remove da terra para realizar nossa santificação. Ele nos mantém inseridas em um mundo que tem coisas muito boas, mas que também tem inúmeras distorções que afetam nossa cosmovisão e nossa percepção de nós mesmas. E algumas dessas distorções estão dentro das igrejas, nos meios cristãos. Por exemplo, parte do seu sofrimento naquela fase talvez tenha vindo de ideias equivocadas sobre pecado e liberdade cristã. Se, como eu, você cresceu indo à escola dominical, é provável que tenha sido condicionada a um cristianismo comportamental, em que seu relacionamento com Deus depende de seu bom comportamento, em vez de gerar atitudes e ações agradáveis a ele. Ser instruída em doutrinas cristãs desde cedo é um imeeenso privilégio, mas, se há distorções (mesmo que pequenas) nesse ensino, o impacto pode ser extremamente forte, especialmente em pessoas mais introspectivas e com a consciência muito sensível.

4 – Por fim, precisamos tomar cuidado para não avaliar nosso “eu” de dois, três, dez anos atrás com base naquilo que sabemos hoje. É o mesmo que dizer: “Gente, como eu era burra quando tinha 2 anos. Nem sabia ler!”. Assim como as etapas de desenvolvimento físico precisam ser respeitadas e cultivadas e não podem ser apressadas, as etapas de desenvolvimento emocional e espiritual também precisam ser respeitadas. Não gaste tempo demais morrendo de pena de seu “eu” do passado, rs. Embora você não entenda todas as razões de ter sido um processo tão sofrido, agradeça a Deus porque ele estava claramente trabalhando com amor, bondade e graça. E continue a apresentar para ele seus questionamentos e até sua irritação com esse processo. Quando somos brutalmente honestas com Deus e, ao mesmo tempo, nos sujeitamos a ele, nossa intimidade com ele cresce e se fortalece. Jó, Davi e vários profetas são exemplos disso.

E, quanto a sua pergunta sobre o quanto devemos revelar em um relacionamento, eu sou a favor de que falemos tudo, sim. Mas (cá está ele de novo! kkk), esse “despir-se” para o outro deve acontecer de modo gradativo, acompanhando o crescimento da intimidade de alma e do compromisso. Honestidade absoluta anda em paralelo com o cultivo de um relacionamento de verdadeira segurança e aceitação total e de acolhimento mútuo. Afinal, se precisamos esconder partes de nós para ser aceitas, significa que o amor não é incondicional, não é mesmo?

Esse é um processo que leva décadas, tipo, a vida inteira, mas chega uma hora que você percebe que nenhum dos seus “bichos interiores”, por mais horrorosos que sejam, vai mudar como a outra pessoa vê você.

A meu ver, um namoro é um bom momento para falar desses “bichos” de um modo mais geral. À medida que o relacionamento avança, podemos nos tornar mais específicas, a ponto de revelar pensamentos assustadores até para nós mesmas.

Por exemplo, no início do relacionamento, compartilhei com meu futuro marido meu forte medo de situações em que não tenho alguma medida de controle. Alguns dias atrás (ou seja, milhões de anos depois daquela primeira conversa), falei para ele que passou por minha mente o desejo de que alguém (que eu não conheço pessoalmente) ficasse seriamente enfermo e, de repente, até morresse. Fiquei envergonhada e assustada com esse pensamento. Mas, contei para ele. Confessei que estava com medo da situação caótica de nosso mundo, sobre a qual eu não tenho nenhum controle, e entendi que meu desejo homicida era, em parte, resultado desse medo. Meu marido me acolheu e orou comigo. Nota como o tema das duas conversas foi o mesmo? O nível de revelação, porém, foi beeeem diferente. E, entre uma revelação e outra, teve uma vida inteira com milhares de outras conversas.

Na verdade, isso é assunto quase para um livro, rsrs. Mas espero que tenha conseguido lhe dar uma ideia geral. Se não entendi bem sua dúvida ou se quiser continuar a conversa sobre isso, é só escrever novamente.

Bom fim de semana e até a próxima!

Kisses,

Su