Pergunta:

Resposta da Sú:

Hello, D.! Já estava sentindo sua falta por aqui J

Vamos às respostas:

1 – É difícil citar apenas um livro, pois traduzi muita coisa legal! Mas, aqui vão três projetos favoritos nos quais trabalhei:
Vida simples, vida plena, da Ann Voskamp. É um livro muito lindo e prfoundo, com linguagem poética, sobre gratidão. Mudou meus hábitos diários e minha forma de ver o mundo.

Bíblia de Transformação Pessoal. Essa Bíblia traz textos selecionados do Brennan Manning, um dos meus dois autores favoritos (o outro se chama Henri Nouwen). Manning tinha uma visão muito clara do amor e da graça de Deus, coisa meio em falta em alguns círculos cristãos.

Bíblia Nova Versão Transformadora. O maior privilégio da minha vida profissional até hoje foi integrar a equipe que produziu nessa nova versão da Bíblia e trabalhar na Palavra de Deus do começo ao fim.

E sim, muitas editoras (não todas) nos presenteiam com os livros que traduzimos, o que é muito gentil J

Aqui vão os links das obras acima, se quiser dar uma espiada:

https://www.mundocristao.com.br/biblia-de-transformacao-pessoal-soft-marrom/p

https://www.mundocristao.com.br/biblias/biblia-nvt?PS=24

2 – Deuteronômio 22 é um texto muuuuito difícil, especialmente se a gente não mergulhar inteiramente no contexto histórico e cultural em que ele foi escrito e colocar de lado alguns pressupostos de nossa mentalidade ocidental moderna. Vamos a algumas considerações:

a. Deus estava legislando situações que não eram parte do ideal dele para a humanidade. A essa altura, o pecado já havia causado muitos estragos no mundo. A lei de Deus para Israel era, em alguns aspectos, uma “contenção de danos”. Essas leis foram dadas no contexto de uma sociedade fortemente patriarcal (que também nunca foi o ideal de Deus, pois ele não criou o relacionamento entre homens e mulheres para ser hierárquico, mas sim igualitário). Tendo em conta o tratamento que as mulheres recebiam na sociedade da época em outras culturas, acredite ou não, essas leis protegiam as mulheres muito mais do que outros códigos legais.

Para mudar essa situação, Deus precisaria ter destruído toda a sociedade e começado do zero (como fez no tempo de Noé). Em vez disso, era seu propósito que, ao andar com ele, as pessoas tivessem uma profunda transformação interior que tornaria essa legislação toda desnecessária. Em uma sociedade na qual a grande maioria fosse temente a Deus, essas leis nunca precisariam ser aplicadas.

b. Dentro da sociedade patriarcal, era dever sagrado dos pais proteger as filhas, não deixá-las sair de casa desacompanhadas e zelar pelo seu bem em todos os aspectos. Nesse sistema, o estupro de uma filha era algo muito raro e uma vergonha tanto para ela como para a família que não havia cuidado dela.

c. Agora, de modo mais específico. Em Deuteronômio 22.13ss, se você olhar o texto com atenção, verá que em nenhum lugar está escrito que os pais deviam guardar o lençol da noite de núpcias da filha. Essa é uma interpretação que homens deram para esse texto ao longo da história. É bem mais provável que a “comprovação [provas] da virgindade” seja algo muito diferente, a saber, os panos usados pela filha na última menstruação antes de se casar, como prova de que ela não havia se casado grávida. Para nós podem parecer estranho, mas na cultura antiga, se os pais não tinham perdido a filha de vista e se ela não estava grávida, isso era prova de virgindade. O Deus que nos criou sabe muito bem que apenas um pequeno número de mulheres sangra na primeira relação sexual. Seria absurdo ele estipular uma lei contrária à criação dele.

Se o marido acusasse a esposa falsamente (v. 19), ele tinha de pagar para a família dela uma multa exorbitante (veja mais sobre isso abaixo), que faria qualquer um pensar duas vezes antes de fazer qualquer acusação.

d. Em 22.21, só a mulher é morta porque, nesse caso, só ela quebrou a lei. O marido que a acusou é inocente, e acusou com razão. Quando havia adultério, os dois eram mortos (v. 22), pois os dois haviam quebrado a lei. Sim, a pena  de morte parece muuuuito pesada e cruel. Mas, ela é apresentada no contexto da absoluta santidade e pureza de Deus. Em parte, essa severidade mostrava que todos os seres humanos são pecadores e dignos da pena de morte. Era preciso mostrar o quanto qualquer pecado é uma ofensa gravíssima contra Deus, do contrário, o sacrifício de Cristo não faria sentido. O apedrejamento era a forma habitual de aplicar a pena de morte naquela cultura/época. De novo, em uma sociedade que desse espaço para Deus agir, essas penas jamais seriam aplicadas.

e. Quanto ao estupro: volte ao que eu disse acima, que uma moça nunca devia ser deixada sozinha, especialmente nas ruas de uma cidade. Além disso, várias gerações viviam juntas nas casas, e as casas eram próximas umas das outras, o que significa que sempre tinha alguém por perto para ouvir. Numa cidade, era praticamente impossível um homem surpreender uma mulher, amordaçá-la e estuprá-la sem que alguém percebesse. Também precisamos entender que numa sociedade que seguisse a Deus, ele  providenciaria para que nenhuma mulher fosse injustiçada dentro desse sistema. Tanto que existe a distinção de estupro na cidade ou no campo (onde as moças possivelmente eram menos supervisionadas que nas cidades). Note a diferença de linguagem entre o v. 23 (“a achar na cidade e se deitar com ela” – não diz que é estupro, e deixa a possibilidade de sexo consensual antes/fora do casamento) e v. 25 (“no campo […] a forçar” – aqui sim, é estupro). Os verbos usados no hebraico são diferentes.

f. Sobre o v. 29, para começar, precisamos entender que os cinquenta siclos de prata, em valores atuais, seriam o equivalente a cinco anos de um salário médio (mais de 100 mil Reais). Portanto, o homem que violentasse uma moça que não estivesse noiva a sustentaria para o resto da vida (não poderia se divorciar) e ainda pagaria uma fortuna para a família dela. Também aqui, é provável que essas leis fossem aplicadas raramente ou nunca, pois não havia nenhuma vantagem para o homem. Dentro daquela sociedade, era bem mais fácil arranjar alguém com quem se casar (e depois divorciar-se por qualquer motivo – algo que Jesus condenou) do que estuprar uma mulher. Também há indicações em outros textos de que a família não era obrigada a aceitar essa negociação, mas o homem era obrigado a pagar a multa e oferecer-se para cuidar da moça para o resto da vida. Sim, eu também tenho dificuldade de entender como uma mulher poderia ser sujeitada a essa situação horrível. Mas lembre-se de que estamos falando de cultura e época beeeem diferentes das nossas. Naquela realidade, se uma mulher era violentada ninguém se casava com ela. Quando os pais morriam, se os irmãos não cuidassem dela, ela ficava abandonada. Essa estipulação que nos causa revolta na verdade era uma forma de garantir que ela teria sustento para o resto da vida.

De novo, não podemos ler esses textos, escritos milênios atrás em um contexto completamente diferente do nosso com as lentes da sociedade moderna. E temos de lembrar que, se os israelitas obedecessem a Deus, nenhuma dessas estipulações seria aplicada e não haveria injustiça na sociedade (como não haveria hoje). E, só porque há instruções bíblicas a respeito de algo, não significa que Deus concorda ou aprova. Como disse lá no começo, Deus trabalha dentro da nossa realidade, em que o pecado está presente e bagunça tudo. O mesmo se aplica às instruções do Novo Testamento para escravos e senhores. Deus não concordava com a escravidão, mas precisava dar instruções para que houvesse um mínimo de alívio e equidade até que corações fossem transformados e justiça fosse feita.

Por fim, para uma passagem difícil como essa de Deuteronômio, há centenas de passagens que falam do cuidado especial de Deus pelos mais vulneráveis, o que certamente incluía as mulheres daquela época.

Sempre que eu leio passagens como essa que me deixam meio desconfiada da bondade e justiça de Deus, eu digo isso pra ele. A verdade é que Deus é bom e justo, e ele quer nos mostrar isso. Fale com ele, expresse o que você sente diante desses textos e fique aberta para o que ele mostrará para você. Aproveite e canalize esse forte senso de justiça para causas atuais, para defender aqueles que sofrem hoje. Tratar os vulneráveis com justiça e compaixão é algo que Deus quer de nós sempre 🙂

Boa semana para você também e até a próxima!

Kisses,

Su

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