Pergunta:

Oi Su,tudo bem? Muito obrigada pela sua atenção na última resposta, elas têm me ajudado a lidar com meus sentimentos ambíguos. Eu gostaria de fazer muitas perguntas hoje, mas não sei se vou conseguir expressar tudo ou se mudarei de ideia enquanto escrevo. Vamos iniciar pelo minha terra de Oz: eu amo minha cidade. Eu sei que ela é relativamente pequena, não tem atrações legais, não é como uma São Paulo…mas eu gosto daqui com todo meu coração. Gosto das ruas, das árvores, das casas, dos becos, da pintura viva ou desbotada, dos lugares nada a ver, da ferrugem de algum portão…quando olho para o mundo que tenho acesso nesse momento ele é lindo! Eu sei que aqui não é grande coisa, eu sei que está se tornando difícil continuar nessa cidade e inclusive nesse país. Eu vejo as pessoas falando mal desse lugar em que elas vivem, trabalham, estudam, constroem família, tem comida, água quente, uma cama gostosa pra dormir. Vejo meu professor de história projetando um intercâmbio para o filho dele porque deseja que o rapaz conheça lugares novos, saia fora desse país. Vejo ele as vezes nos incentivando. Aí começo a pensar: será que eu tenho uma mentalidade tão pequena assim? Todo mundo quer sair daqui, todo mundo acha que aqui não presta, mas esse lugar é valoroso para mim. Fui construída aqui. Talvez eu deva continuar nessa cidade mesmo se muitos se forem, porque talvez eu tenha nascido para ser alguém que gosta daqui. Então eu temo pelo meu futuro… terei um currículo básico aqui pressuponho…sabe…se eu quisesse entrar numa USP ou Unicamp da vida quando eu apresentasse minha faculdade nos empregos certamente seria escolhida logo…mas eu sou só a menina que sempre olhou pra faculdade do município e pensou : “É ali que vou estudar um dia”, sem grandes desejos. Eu sou ambiciosa, mas não tanto. Não estou louca por dinheiro, status, viagens. Claro que eu gostaria de viajar…mas sei lá. Tipo, meu professor estava contando que na faculdade do Sul que ele fez tinha não sei que cara famoso tocando. Ele achou isso incrível, no entanto para mim foi : ” Legal, e daí? ” Esse é o tipo de coisa que ele valoriza. Parece que se eu continuar nessa país não terei futuro e não serei valorizada na minha profissão, mas sabe…quero fazer a diferença aqui. Nessa cidade que desprezam, nessa cidade que a maioria anseia por deixar e não voltar, eu quero estar nela, mas estou com medo de estar tomando a decisão errada e me ferrar no futuro. Eu não acho que isso vá de fato ocorrer, entretanto, de vez em quando fico balançada. Quero ser obstetra. Desde os seis anos. Ninguém me falou pra ser. Quero ser obstetra formada na faculdade pequena (em comparação com a do Sul do meu professor), mas boa da minha cidade. Na faculdade para a qual eu olhava e dizia que ia estudar sem nem saber do que ela se tratava. Nesse Brasil, a maioria das mulheres negras morrem nas salas de parto porque elas são negligenciadas pelas brancas. Eu não posso fazer a diferença aqui se estiver aproveitando os ótimos hospitais de um país qualquer de “primeiro mundo” ( eu sei que esse termo saiu de uso quando a URSS acabou, mas costumo usar kk) talvez eu goste daqui, para continuar aqui e fazer a diferença AQUI. Não preciso mudar o mundo todo, mas se eu puder ajudar algumas mulheres a terem seus filhos com dignidade, se eu puder diagnosticar uma pré-eclâmpsia e impedir que isso seja fatal para ela e/ou para o bebê, se eu puder não deixar uma mulher da minha cor morrer por puro preconceito e maldade… então terá valido a pena não ter saído daqui, não ter corrido para os braços de um intercâmbio. Eu não preciso necessariamente estar no melhor hospital, porque isso é difícil, mas é ainda mais estar num lugar pior. Eu não quero ser que nem alguns dos meu colegas ou adultos conhecidos que reclamam desse país mas não o mudam. Eu quero mudar…quero não sentir medo…quero ter certeza de estar tomando uma boa decisão. Fico encantada quando meu professor fala de algumas oportunidades, mas… Ah, mas não é como se onde eu moro fosse um lixo. Parece que ele tem aversão daqui…por que não volta pra cidade dele então? Eu não sei… não sei nada dele, não sei o que ele tem vivido, quais caminhão já trilhou ou porque esses caminhos o afastaram de Deus, mas quando ele fala, parece que se eu continuar no Brasil serei uma eterna sofredora, parece que se não fizer viagens, se não estudar numa facul top, vou ser comum, vou ser medíocre, não terei vivido bem. É como disse uma menina numa música ” Eu tenho tantos sentimentos, grandiosos sentimentos sobre quase tudo […] se eu estou correspondendo a tudo que deveria ser” Será que eu estou, Su? Será que vivi no dia de hoje o que Deus escreveu no meu livro? Ele costuma se manifestar em meu coração com vontades profundas, sem maiores explicações. As vezes eu penso que é por isso que gosto de onde hábito. Desculpa pelo texto gigante, eu aproveitei para desabafar também. Já conversei sobre isso com outras pessoas, sei que não vale a pena nos compararmos, sei que cada um cada um, sei que, como meu amigo disse, não devemos comparar sonhos,sei que talvez esteja tudo bem com essas minhas vontades, sei que posso me arrepender, sei que posso sentir que não estou vivendo, no entanto… não é esse tipo de vida que desejo. Só tem dois lugares no mundo que desejo conhecer. Tem quem não viva sem viajar… e tudo bem… por que eu preciso ser menos, ter menos “cultura”, ser mais ambiciosa ( no bom sentido) se está tudo bem em ser quem sou? Por que eu estou me importando com isso? Desde quando eu me importo com essas coisas…? Não é que eu não queira crescer…mas preciso fazer as coisas que ele acha que trazem crescimento? Eu também tenho medo de mudar de opinião, de querer algo mais difícil ( a faculdade que vou entrar é mais “fácil” em comparação com a USP, por exemplo, mas não a escolhi por isso. Eu não sabia disso até julho deste ano). Também ando chateada com esse negócio de política. Eu não tenho esperanças nela. Admiro quem tem. Não a possuo e não desejo sofrer possuindo-a. As pessoas ficam brigando por isso. Meu amigo as vezes fala umas coisas tão feias em relação a isso. Hoje fiquei muito chateada com ele. Eu não o tratei mal nem nada. Os meninos vão amadurecer um dia? Será que ele no mínimo pensa nas asneiras políticas que muitas vezes diz. E não é por ser opinião contrária à minha, é porque fere a vida, é porque é maldoso. Ele fica entrando na onda sabe…sei que está se definindo, mas se não sabe ou se só acha que sabe não seria melhor não ficar falando maldades? Eu tenho uma mania de querer corrigir as pessoas. Suponhamos que alguém me diga que não gosta de comer vegetais, então eu penso ” ei! Isso é ruim pra essa pessoa, vou falar para ela pq é bom comer vegetais e propor que ela os coma pelo menos três vezes na semana e faça exercícios físicos, daí ela terá uma vida saudável”. Eu não deveria me importar. As vezes fico sofrendo por coisas assim e se trata simplesmente da vida de outra pessoa que eu não posso mudar. Não duvidaria que isso é um problema meu, querer que as pessoas pensem como eu, mas muitas vezes EU SEI que aquele jeito de agir é prejudicial pra ela, ou desesagrada a Deus e fico tentando “arrumá-la”. Quando meu amigo fala certas coisas maldosas (que eu te disse ali em cima) me decepcionou com ele… profundamente. O que posso fazer? Já conversei com minha mãe, ela me explicou muitas coisas e eu até consegui lidar melhor com um negócio (e outros) pelos conselhos dela. Mesmo assim, você tem algo para me dizer? Eu até pensei em falar com ele, sei da importância dos diálogos e quando as coisas me chateiam uma hora eu acabo falando pra ele. Não sou dona dele. Não quero ser ou parecer. Não quero controlá-lo, mas eu sei que as meninas amadurecem mais rápido, eu sei que estou vendo certas coisas à frente dele, não quero que ele fique errando, que fique alimentando em si uma natureza ruim. Eu sei como é falar bobeiras quando a gente se estressa com política…mas a s vezes dá pra evitar entende? Obrigada pela sua atenção, que Deus te abençoe muito. Obrigada por todos os seus conselhos, se eu tiver filhos um dia, quero contar para eles de você ” a moça da internet” que me ajudou/ajuda tantas vezes. Que bom que você existe! Que bom que minha mãe me comprou “o diário da garota que ora” quatro anos atrás, porque assim você chegou até mim…ou eu cheguei até você. D. Pergunta: P.s.: só gostaria de acrescentar que apesar das coisas que falei tive uma semana abençoada, e que meu amigo é um rapaz muito bom, mas como todos nós…é humano. É muito paciente, gentil e amável comigo, nunca conheci alguém como ele antes. E mesmo não sendo o cara mais maduro do mundo, ainda é mais do que a maioria dos meus colegas kkk. D.

Resposta da Sú:

Hello, D.! Se serve de consolo, em diferentes momentos da vida eu tive uma porção desses mesmos questionamentos que você coloca. Uma coisa que me ajuda nessas horas é lembrar que não vivemos para nós mesmos, para o Senhor (Romanos 14.7-8 também tem a ver com isso). Ou seja, nossa grande ambição deve ser servir a Deus, no lugar e da forma como ele nos mostrar. Talvez isso signifique fazer uma faculdade mega conceituada e trabalhar fora do país, ou talvez signifique estudar na faculdade de seu munício e trabalhar onde você está. Diante de Deus, as duas coisas são igualmente nobres e importantes, pois a “fita métrica” que usamos para medir sucesso, relevância, produtividade é a vontade dele. Se Deus tem colocado no seu coração de servi-lo em sua cidade, na comunidade ao seu redor, pode ter certeza de que ele vai preparar você devidamente para isso – seja em qual faculdade for. E pode ter certeza de que, na escala eterna das coisas, ele vai tornar seu trabalho profundamente relevante.

Creio que um dos maiores desafios para todos nós, cristãos, é enxergar o mundo pelas lentes de Deus, Aquele que nos confere prioridades e valores tão diferentes do mundo ao nosso redor.

Gosto muito do conceito de vocação (de um verbo em latim que significa “chamar”). Nosso futuro profissional é uma questão de carreira e projeção. É um chamado divino para servir. E esse chamado cada um cumpre de uma forma, no lugar onde Deus nos coloca.

Eu já morei fora do país, já estudei e trabalhei em São Paulo e em outras cidades. Cada uma dessas experiências teve seu valor e seu lugar na história que Deus está contando em minha vida. Hoje trabalho e moro no interior e sirvo a Deus online, escondida dos holofotes (rsrs) e profundamente realizada na vocação que ele me deu.  Estou lhe dizendo isso para convidá-la a ficar aberta para tudo o que Deus colocar em sua vida, não como “oportunidade de avanço” ou como “forma de adquirir cultura”, mas como preparo e capacitação para o serviço que ele chamará você a fazer adiante. Descanse na convicção de que ele vai lhe mostrar o próximo passo e vai ajudá-la a cultivar a ambição central de serviço a ele (que geralmente exercitamos ao servir outros). E se ele mostrar que você não precisa sair nunca de sua cidade para isso, ótimo! Alegre-se porque ele a plantou aí e com certeza vai ajudá-la a produzir muitos frutos para o reino dele!

E quanto às interações com seu amigo, meu conselho é que você continue a pedir paciência e sabedoria para Deus de forma pontual – ou seja, para cada conversa. Existe o momento de falar e de desafiar os outros a enxergar o mundo sob ópticas diferentes. Mas também existe o momento de engolir alguns sapos e ouvir certas “absurdidades” (rs) em silêncio, pois, em última análise, só Deus pode mudar as coisas do coração. Uma forma saudável de lidar com essas questões é de ouvir as ideias de seu amigo (por mais ofensivas que lhe pareçam) e, depois, simplesmente apresentar seu ponto de vista de forma tranquila e respeitosa, tipo: “Olha, eu enxergo esse assunto de outra maneira…”. Depois, é confiar que, se for importante seu amigo mudar de opinião, Deus vai trabalhar isso nele, no tempo e do jeito do Espírito. De novo, é um exercício de confiança. Eu confesso que essa também é uma área de desafio para mim. Tenho amigos queridos, de longa data, que pensam de forma beeem diferente sobre alguns assuntos. Ainda assim, Deus tem abençoado essas amizades para que haja respeito mútuo e amadurecimento. E para que eu seja paciente com outros como, muitas vezes, eles são pacientes comigo (e eu nem percebo! Kkk). E, se você perder a calma com seu amigo, falar umas verdades e até bater de frente, não se aflija. Isso também faz parte do processo de crescimento de vocês dois e não vai causar estragos permanentes em sua amizade (de novo, falo por experiência própria).

Sou muito grata a Deus por sua vida e porque ele fez nossos caminhos se encontrarem 🙂

Pode ter certeza de que nossas conversas são muito enriquecedoras e edificantes para mim também.
Que o Senhor continue a abençoar e guiar você diariamente!

Até a próxima!

 

Kisses,

Su